domingo, 21 de abril de 2013

Testemunho sobre o Milton Schwantes


Vida de Fé - Testemunho de fé e amor aos pobres


Falar sobre uma pessoa querida é sempre um desafio difícil. Mas há que tentar, sobretudo quando se trata de um irmão maior. Milton Schwantes é uma dessas pessoas sobre quem há muito o que dizer e testemunhar. Ele foi pastor, professor de teologia, marido, pai, companheiro de lutas e sonhos. Foi um lutador incansável. Um renovador do estudo da Bíblia em toda a América Latina.
Quem o conheceu nas comunidades por onde passou, quem com ele estudou ou participou dos inúmeros cursos de leitura bíblica em todo o Brasil ou por diversos países da América Latina, e mesmo nos encontros pela Europa, saberá avaliar a importância e a grandeza de sua contribuição à igreja de Jesus e ao povo pobre de Deus durante seu abençoado ministério.
Milton foi um inspirador de caminhos de renovação bíblica, de uma leitura que tinha como ponto de partida a prática comunitária de fé e serviço, a luta dos pequenos por terra, pão e dignidade, a esperança de uma sociedade nova, em que mulheres e crianças sejam respeitadas e os pobres possam desenvolver toda a sua potencialidade humana.
A citação acima aparece num texto escrito por ele em 1988 quando do primeiro número da RIBLA, revista que ele fundou com colegas da hermenêutica bíblica de libertação como José Comblin, Carlos Mesters, Ana Flora Anderson, Gilberto Gorgulho, do Brasil, mas também Elsa Tamez, Pablo Richard, Jorge Pixley, da América Central. Desde cedo em seus estudos teológicos, Milton desenvolveu uma aguçada sensibilidade ecu­mê­nica, e suas andanças como biblista comprovam isso.
Uma de suas principais virtudes como amigo, mestre e colega de trabalho foi saber trabalhar em equipe. Ele incentivava, inspirava, coordenava e levava em frente projetos que jamais se prenderam à sua pessoa, embora recebessem de sua extraordinária capacidade de trabalho aquele incentivo que tanta diferença faz nos meios acadêmicos ou em nossas igrejas.
Milton nasceu de uma família de agricultores em Tapera, interior do Rio Grande do Sul, em 26/04/1946. Era o mais novo de quatro irmãos. Quando do falecimento de seu pai, ainda na infância, foi com sua mãe para São Leopoldo, onde dona Eugênia trabalhou por muitos anos como cozinheira no Instituto Pré-Teológico, escola de humanidades da IECLB que preparava para a Faculdade de Teologia.
Seus irmãos mais velhos, Nor­berto e Édio, decidiram pelo pasto­rado, caminho que o mais jovem também escolheu. Arlindo decidiu pelo magistério.
Brilhante já desde os estudos secundaristas, seu desempenho no curso de Teologia, concluído em 1970, habilitou-o para o doutorado, que realizou entre 1971-1974 em Heidelberg, sob a orientação do Dr. Hans Walter Wolff. Sua tese “O direito dos pobres” já adiantava o foco de sua leitura bíblica e o caminho de interpretação que seguiria ao longo da vida. Milton foi coerente até o fim, procurando sempre encontrar por debaixo dos textos a pequena brasa que ainda fumega para acender a fé do povo simples e, seguidamente, desprezado na sociedade, mas também nas igrejas. No prefácio da tese, ele escreveu que a obra decisiva de Gustavo Gutiérrez – Teología de la liberación – apontou para a importância das afirmações bíblicas sobre a pobreza para um testemunho cristão. Dessa perspectiva depende a autenticidade da pregação da mensagem evangélica. Essas palavras foram um mote de sua vida como cristão e teólogo.
De sua experiência continuaremos a aprender por muito tempo. Seus livros agora poderão ser lidos e relidos à luz de seu testemunho definitivo. Sobretudo o fato de que como igreja cristã, se não soubermos nos situar entre os des­fa­vo­re­ci­dos e angustiados, pouco en­ten­deremos da mensagem profética ou do evangelho de Jesus. Isso Milton procurou realizar como pastor em Cunha Porã (SC) ou em Guarulhos (SP), onde criou pequenos grupos comunitários que se reuniam nas garagens das casas de pessoas que desejavam partilhar a fé e uma leitura bíblica transformadora.
Quando Milton já estava em coma no hospital, Lori e eu fomos visitá-lo. Junto com a esposa Rosi conversamos e oramos com ele. Ela disse que era importante falar com ele, pois – de alguma forma – ele sentia o que lhe transmitíamos. Nós esperávamos seu restabelecimento, seu espírito era forte, mas a fraqueza do corpo o venceu. Ao nos despedirmos, li para ele um poema de Dom Pedro Casaldáliga, que fala de Jesus como o libertador total de nossas vidas, contradição e paz, vivente em Deus e no pão repartido, incapaz de ser reduzido ao que fazemos dele ou da fé que recebemos. Foi um preito de gratidão pelo testemunho de uma vida de fé, esperança e amor.

Roberto Zwetsch. Teólogo e professor da Faculdades EST em São Leopoldo (RS)
        Fonte: Novolhar

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