Vida de Fé - Testemunho de fé e amor aos pobres
Falar sobre uma pessoa querida é
sempre um desafio difícil. Mas há que tentar, sobretudo quando se trata de um
irmão maior. Milton Schwantes é uma dessas pessoas sobre quem há muito o que
dizer e testemunhar. Ele foi pastor, professor de teologia, marido, pai,
companheiro de lutas e sonhos. Foi um lutador incansável. Um renovador do
estudo da Bíblia em toda a América Latina.
Quem o conheceu nas comunidades
por onde passou, quem com ele estudou ou participou dos inúmeros cursos de
leitura bíblica em todo o Brasil ou por diversos países da América Latina, e
mesmo nos encontros pela Europa, saberá avaliar a importância e a grandeza de
sua contribuição à igreja de Jesus e ao povo pobre de Deus durante seu
abençoado ministério.
Milton foi um inspirador de
caminhos de renovação bíblica, de uma leitura que tinha como ponto de partida a
prática comunitária de fé e serviço, a luta dos pequenos por terra, pão e
dignidade, a esperança de uma sociedade nova, em que mulheres e crianças sejam
respeitadas e os pobres possam desenvolver toda a sua potencialidade humana.
A citação acima aparece num texto
escrito por ele em 1988 quando do primeiro número da RIBLA, revista que ele
fundou com colegas da hermenêutica bíblica de libertação como José Comblin,
Carlos Mesters, Ana Flora Anderson, Gilberto Gorgulho, do Brasil, mas também
Elsa Tamez, Pablo Richard, Jorge Pixley, da América Central. Desde cedo em seus
estudos teológicos, Milton desenvolveu uma aguçada sensibilidade ecumênica, e
suas andanças como biblista comprovam isso.
Uma de suas principais virtudes
como amigo, mestre e colega de trabalho foi saber trabalhar em equipe. Ele
incentivava, inspirava, coordenava e levava em frente projetos que jamais se
prenderam à sua pessoa, embora recebessem de sua extraordinária capacidade de
trabalho aquele incentivo que tanta diferença faz nos meios acadêmicos ou em
nossas igrejas.
Milton nasceu de uma família de
agricultores em Tapera, interior do Rio Grande do Sul, em 26/04/1946. Era o
mais novo de quatro irmãos. Quando do falecimento de seu pai, ainda na
infância, foi com sua mãe para São Leopoldo, onde dona Eugênia trabalhou por
muitos anos como cozinheira no Instituto Pré-Teológico, escola de humanidades
da IECLB que preparava para a Faculdade de Teologia.
Seus irmãos mais velhos, Norberto
e Édio, decidiram pelo pastorado, caminho que o mais jovem também escolheu.
Arlindo decidiu pelo magistério.
Brilhante já desde os estudos
secundaristas, seu desempenho no curso de Teologia, concluído em 1970,
habilitou-o para o doutorado, que realizou entre 1971-1974 em Heidelberg, sob a
orientação do Dr. Hans Walter Wolff. Sua tese “O direito dos pobres” já adiantava
o foco de sua leitura bíblica e o caminho de interpretação que seguiria ao
longo da vida. Milton foi coerente até o fim, procurando sempre encontrar por
debaixo dos textos a pequena brasa que ainda fumega para acender a fé do povo
simples e, seguidamente, desprezado na sociedade, mas também nas igrejas. No
prefácio da tese, ele escreveu que a obra decisiva de Gustavo Gutiérrez –
Teología de la liberación – apontou para a importância das afirmações bíblicas
sobre a pobreza para um testemunho cristão. Dessa perspectiva depende a
autenticidade da pregação da mensagem evangélica. Essas palavras foram um mote
de sua vida como cristão e teólogo.
De sua experiência continuaremos
a aprender por muito tempo. Seus livros agora poderão ser lidos e relidos à luz
de seu testemunho definitivo. Sobretudo o fato de que como igreja cristã, se
não soubermos nos situar entre os desfavorecidos e angustiados, pouco entenderemos
da mensagem profética ou do evangelho de Jesus. Isso Milton procurou realizar
como pastor em Cunha Porã (SC) ou em Guarulhos (SP), onde criou pequenos grupos
comunitários que se reuniam nas garagens das casas de pessoas que desejavam
partilhar a fé e uma leitura bíblica transformadora.
Quando Milton já estava em coma
no hospital, Lori e eu fomos visitá-lo. Junto com a esposa Rosi conversamos e
oramos com ele. Ela disse que era importante falar com ele, pois – de alguma
forma – ele sentia o que lhe transmitíamos. Nós esperávamos seu
restabelecimento, seu espírito era forte, mas a fraqueza do corpo o venceu. Ao
nos despedirmos, li para ele um poema de Dom Pedro Casaldáliga, que fala de
Jesus como o libertador total de nossas vidas, contradição e paz, vivente em
Deus e no pão repartido, incapaz de ser reduzido ao que fazemos dele ou da fé
que recebemos. Foi um preito de gratidão pelo testemunho de uma vida de fé,
esperança e amor.
Roberto Zwetsch. Teólogo
e professor da Faculdades EST em São Leopoldo (RS)
Fonte: Novolhar
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